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Faltam apenas para a Grande Dança das Tribos começar!


Um "psiuuu!" meu, «Entrechuvas» dele

sexta-feira, março 23, 2007
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Aquela jaqueira que rebentava na sombra do quintal, fotografada por LV Pedroso - AM, Fevereiro de 2007


Toinho Alves diz muitas vezes que «a História é feita de parábolas» e que nunca é de mais (re)contá-las. Acredita, Toinho, que «há sempre alguém disposto a descobrir algum sentido».

Para se entender o confabulado por Toinho, importa enquadrar o ouvido europeu, baixar um pouco a voz e, como quem faz "psiuu!" no breu da caverna da orelha mais inocente e desavisada, explicar que, desde que o mundo é mundo e até há bem pouco tempo, existiam lugares ao ventre onde somente se ia e vinha pela água. Depois do tombo de Ícaro, não ficou nem asa, nem outro caminho. Só a estrada das águas. Ora, acontece e é sabido (igualmente desde que o mundo é mundo) que as coisas líquidas são mais nervosas, dadas a caprichos e outras inconstâncias, próprias de todas as grandezas que têm curso e só são o que são por entre elas e a sua perpétua romagem, não existe nenhum crivo de abismo ou diferença. Essas certas coisas líquidas são rumo, sendo que o rumo não é senão o que sobra esboçado nessa sua mesma liquidez. As águas não são excepção. São, aliás, a matriz. Águas são águas porque têm movimento, têm escorro e córrego. E só. De outro modo, não seriam água. Talvez fossem terra, mas não há como saber. Sempre será uma questão de suposição, imaginação, abstracção - e tudo o mais afecto a esse terminus em "ão" que aponta ao funil oco que sobe da gravidade do chão ao ar - pois, como ficou dito, água é água, desde que o mundo é mundo e não há como possa ser outra coisa.

É, pois, nesse existir equilibrado sobre a evidência primeira do Princípio, que vivem os Povos da Floresta e das Águas. Nos rebordos de chão que habitam, tudo requer o consentimento peregrino da matriz e, como se vê, ali a matriz é a água. Assim sendo, a vida que vem e que vai, só vai e vem na justa medida das enchentes e das rebaixas que animam cursos e leitos, rios e igarapés. Tudo obedece à mesma cadência régia dessa infatigável romeira líquida, que é a água. Se a água quer, a gente tem peixe, pesca, come e se alimenta. Se a água não quer, a gente mingua e jejua. Se a água deixa, a gente voga e vai. Se a água impede, a gente espera e fica. Sereno, tudo sempre muito sereno. Como é natural, por ser da Natureza. O que aqui se recorda para o peixe, vale para tudo e para todas as coisas. Até para a gasolina que abastece os motores e os automóveis, para a energia eléctrica, o carvão e os cigarros, no trânsito suspenso das balsas e dos navios, interrompendo a navegação, o aportar e a largada, os fluxos de carga e os porões.

Porque a lei das águas não faz destrinça entre grandes e pequenos e o que é válido para as magras pirogas, é válido também para as barcas e os grandes cargueiros. Assim é o dítame das águas: todos seguem ou ninguém passa. E se a hora for de vedar o largo, todos esperam e esperam juntos até ser hora das águas outra vez se deixarem navegar sem encalhar. Nessas temporadas, abastecimento e trocas podem ser impossibilidades impossíveis de contrariar. Mas assim é também a lei: morar em lugares mais rentes ao ventre é um privilégio dado somente a alguns e a Natureza tem seus esquemas e artimanhas para avaliar o recto merecimento desses que escolhe para abençoar. Não basta querer o paraíso. Isso todos querem, com a mesma compulsão sobranceira que legitimamente nos assiste a todos, de sempre, e em todas as vezes, querermos para nós aquilo que acreditamos ser o melhor entre todas as coisas que se oferecem para querer. De igual modo, não basta querer morar no "Paraíso". Há que ser capaz de nele ter sua morada. É por isso que, para os Povos da Floresta e das Águas, a "serenidade" é tão simples como estar vivo. Eles sabem que essas "privações" são somente um modo errado de pronunciar o que os distingue dos demais humanos.

A Grande Floresta é "grande" porque vomita farturas por todos os poros. Não há, em verdade, segredo algum a esse respeito. Até mesmo aqueles que nunca nela se emaranharam, sabem por terem ouvido dizer que tudo ali é abastância. É sabido que na Grande Floresta tudo é vida e toda a gente sabe que não há outro alimento que melhor possa alimentar a vida do que a própria vida. Acontece que viver em fartura é fácil, todos querem, todos são voluntários espontâneos, se oferecem e disponibilizam. Não tivesse a Natureza encontrado seus justos mecanismos de selecção, e talvez o mundo se tornasse um imenso deserto humano, com todas as pessoas a confluirem para os lugares onde a vida pode se enfartar sem esforço, nem misericórdia. Mas a Natureza é sábia e tratou de dificultar ímpetos fáceis e previsíveis, para proteger a fertilidade dos seus mais sagrados úteros, pois que toda a fonte deve ser preservada e poupada, não muito diferente do que todo o lavrador faz por instinto com o gado fêmeo em trabalho de parto contínuo. Tudo isso de que resultam as "privações" não é senão o entorno que se tornou preciso criar para decidir do merecimento de alguns para erguer suas moradas junto á perigosa e tentadora fonte de abastanças e riquezas tamanhas.

Estão junto aos cardumes, aqueles que sabem sorrir de barriga vazia durante o tempo de sua ausência do corpo dos rios. Como estão próximos da raiz pura do guaraná somente aqueles que também suportam o calor sufocante, os mosquitos, as febres das matas, os uivos do breu, o rugido das onças cercando a noite, a picada do aluvião dos leitos, entre esta e aquela pedra.

Não é grave que o afastamento das águas leve embora o alimento de hoje. Eles sabem que a vazante é o começo da enchente, e que o marulhar dos rios, lagoas e igarapés retornará breve e grávido de cardumes crescidos. Grave seria se a água se atrasasse ou fosse embora e não voltasse nunca mais. Esse sim, seria um abandono tão imperdoável quanto inesperado. Mas não é assim com a água. Água é matriz porque é mãe. E mãe nunca se afasta ao ponto de jamais regressar. Deserções assim são próprias dos mortais, sendo que até entre mortais existem dignas e honrosas excepções.

Já se disse, é sabido. A Natureza é sábia e os sábios não fazem suas escolhas por acaso. Muito menos no que juntam, casam, misturam ou aproximam.

A proximidade é uma grandeza de relação, que vai de uma coisa a outra e, nesse sentido, une a outra à uma e a uma à outra. De sábia que é, a Natureza sabe que grandezas díspares não se podem unir e, por conseguinte, sabe também que nem tudo se deve permitir à união. Rompe, afasta, aparta, dissolve... que a Natureza também sabe ser implacável na defesa do lugar certo de cada um e de cada coisa. E se dúvidas houver, manda rugir onças ao luar, faz subir febres na mata, apaga do bolso o cigarro, esvazia do rio os peixes e deixa barrigas vazias a jejuar. Sabe que assim reconhecerá os que pertencem às águas e à floresta. Sabe que esses sobreviverão sorridentes às "privações" e que os há-de reconhecer andando a pé, catando galhos secos, tomando cachaça ao redor da fogueira, cantando canções verdes ao violão, de frente para a jaqueira que vai engordando no fundo do quintal. Sem pressa. Sem ter mesmo pressa nenhuma. Serenos. A jaqueira e eles. Eles como a jaqueira: «vida possível rente ao chão». Como é natural. Por ser da Natureza.



Acho que já contei, aqui, a história da crise de abastecimento na cidade de Rio Branco no início dos 80. Se contei, repito, porque há de servir a alguém. A História é uma parábola feita de parábolas e há sempre alguém disposto a descobrir algum sentido. Pois se tem até quem procure petróleo! Aliás, é sobre isso o causo.

Já havia começado a chover e a estrada, que ainda não era asfaltada entre Porto Velho e Rio Branco, arruinou totalmente. Ficou uma fila de mais de cem caminhões nos atoleiros. Só que as chuvas ainda não eram suficientes para encher os rios, que permaneciam mostrando seus altos barrancos, e as balsas ficavam encalhadas logo acima da Boca do Acre. Começou a faltar de tudo, na cidade. As pessoas iam para o aeroporto esperar quem chegasse trazendo cigarros. Começou a ter racionamento de energia elétrica, pela falta de óleo diesel na usina. Postos de gasolina fecharam. A falta do gás de cozinha fez renascer o comércio do carvão, transportado em carroças de boi.

Encostei meu carro na frente da redação do jornal, onde o vigia, seu Amadeu, tomaria de conta. E andei a pé por quase um mês, numa alegria infantil de ver o mundo voltando a ser como antes. Txai Terri era meu vizinho e, à tarde, saíamos pelos arredores catando galhos secos e ripas de velhas cercas para fazer fogo. À noite chegavam Pia e Felipe numa moto, trazendo um violão, e ficávamos ao redor da fogueira tomando cachaça e cantando canções acreanas.

Eu queria que aquela situação permanecesse por mais tempo, para que a chegada tão rápida da modernidade sofresse uma interrupção, para que as pessoas buscassem alternativas de vida mais simples, para que uma jaqueira se tornasse mais importante que um aparelho de tv, ao menos por algumas semanas. Não aconteceria nenhuma grande mudança, eu sabia, mas algumas pessoas se lembrariam de que a vida é possível rente ao chão, sem tanta tralha.

Finalmente a chuva parou e os caminhões andaram, depois o inverno se instalou para a subida das balsas, o progresso retornou ao fim do mundo, tudo voltou ao normal e deu nisso que temos hoje.
António Alves - "Entrechuvas"

posted by Margarida C. on 8:07 da manhã

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