About me: Margarida C. Lisboa/Manaus Repórter Quote: 'se deus quiser / um dia eu quero ser índio / viver pelado / pintado de verde / num eterno domingo' Minha Amazónia photos by Margarida C. © 2006 Minha Biografia photos by Margarida C. © 2006 sobre fotos de G. Cortes Ajude a Preservar a Amazónia! My Song: play / off |
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Faltam apenas para a Grande Dança das Tribos começar! Um "psiuuu!" meu, «Entrechuvas» delesexta-feira, março 23, 2007Aquela jaqueira que rebentava na sombra do quintal, fotografada por LV Pedroso - AM, Fevereiro de 2007 Toinho Alves diz muitas vezes que «a História é feita de parábolas» e que nunca é de mais (re)contá-las. Acredita, Toinho, que «há sempre alguém disposto a descobrir algum sentido». Para se entender o confabulado por Toinho, importa enquadrar o ouvido europeu, baixar um pouco a voz e, como quem faz "psiuu!" no breu da caverna da orelha mais inocente e desavisada, explicar que, desde que o mundo é mundo e até há bem pouco tempo, existiam lugares ao ventre onde somente se ia e vinha pela água. Depois do tombo de Ícaro, não ficou nem asa, nem outro caminho. Só a estrada das águas. Ora, acontece e é sabido (igualmente desde que o mundo é mundo) que as coisas líquidas são mais nervosas, dadas a caprichos e outras inconstâncias, próprias de todas as grandezas que têm curso e só são o que são por entre elas e a sua perpétua romagem, não existe nenhum crivo de abismo ou diferença. Essas certas coisas líquidas são rumo, sendo que o rumo não é senão o que sobra esboçado nessa sua mesma liquidez. As águas não são excepção. São, aliás, a matriz. Águas são águas porque têm movimento, têm escorro e córrego. E só. De outro modo, não seriam água. Talvez fossem terra, mas não há como saber. Sempre será uma questão de suposição, imaginação, abstracção - e tudo o mais afecto a esse terminus em "ão" que aponta ao funil oco que sobe da gravidade do chão ao ar - pois, como ficou dito, água é água, desde que o mundo é mundo e não há como possa ser outra coisa. É, pois, nesse existir equilibrado sobre a evidência primeira do Princípio, que vivem os Povos da Floresta e das Águas. Nos rebordos de chão que habitam, tudo requer o consentimento peregrino da matriz e, como se vê, ali a matriz é a água. Assim sendo, a vida que vem e que vai, só vai e vem na justa medida das enchentes e das rebaixas que animam cursos e leitos, rios e igarapés. Tudo obedece à mesma cadência régia dessa infatigável romeira líquida, que é a água. Se a água quer, a gente tem peixe, pesca, come e se alimenta. Se a água não quer, a gente mingua e jejua. Se a água deixa, a gente voga e vai. Se a água impede, a gente espera e fica. Sereno, tudo sempre muito sereno. Como é natural, por ser da Natureza. O que aqui se recorda para o peixe, vale para tudo e para todas as coisas. Até para a gasolina que abastece os motores e os automóveis, para a energia eléctrica, o carvão e os cigarros, no trânsito suspenso das balsas e dos navios, interrompendo a navegação, o aportar e a largada, os fluxos de carga e os porões. Porque a lei das águas não faz destrinça entre grandes e pequenos e o que é válido para as magras pirogas, é válido também para as barcas e os grandes cargueiros. Assim é o dítame das águas: todos seguem ou ninguém passa. E se a hora for de vedar o largo, todos esperam e esperam juntos até ser hora das águas outra vez se deixarem navegar sem encalhar. Nessas temporadas, abastecimento e trocas podem ser impossibilidades impossíveis de contrariar. Mas assim é também a lei: morar em lugares mais rentes ao ventre é um privilégio dado somente a alguns e a Natureza tem seus esquemas e artimanhas para avaliar o recto merecimento desses que escolhe para abençoar. Não basta querer o paraíso. Isso todos querem, com a mesma compulsão sobranceira que legitimamente nos assiste a todos, de sempre, e em todas as vezes, querermos para nós aquilo que acreditamos ser o melhor entre todas as coisas que se oferecem para querer. De igual modo, não basta querer morar no "Paraíso". Há que ser capaz de nele ter sua morada. É por isso que, para os Povos da Floresta e das Águas, a "serenidade" é tão simples como estar vivo. Eles sabem que essas "privações" são somente um modo errado de pronunciar o que os distingue dos demais humanos. A Grande Floresta é "grande" porque vomita farturas por todos os poros. Não há, em verdade, segredo algum a esse respeito. Até mesmo aqueles que nunca nela se emaranharam, sabem por terem ouvido dizer que tudo ali é abastância. É sabido que na Grande Floresta tudo é vida e toda a gente sabe que não há outro alimento que melhor possa alimentar a vida do que a própria vida. Acontece que viver em fartura é fácil, todos querem, todos são voluntários espontâneos, se oferecem e disponibilizam. Não tivesse a Natureza encontrado seus justos mecanismos de selecção, e talvez o mundo se tornasse um imenso deserto humano, com todas as pessoas a confluirem para os lugares onde a vida pode se enfartar sem esforço, nem misericórdia. Mas a Natureza é sábia e tratou de dificultar ímpetos fáceis e previsíveis, para proteger a fertilidade dos seus mais sagrados úteros, pois que toda a fonte deve ser preservada e poupada, não muito diferente do que todo o lavrador faz por instinto com o gado fêmeo em trabalho de parto contínuo. Tudo isso de que resultam as "privações" não é senão o entorno que se tornou preciso criar para decidir do merecimento de alguns para erguer suas moradas junto á perigosa e tentadora fonte de abastanças e riquezas tamanhas. Estão junto aos cardumes, aqueles que sabem sorrir de barriga vazia durante o tempo de sua ausência do corpo dos rios. Como estão próximos da raiz pura do guaraná somente aqueles que também suportam o calor sufocante, os mosquitos, as febres das matas, os uivos do breu, o rugido das onças cercando a noite, a picada do aluvião dos leitos, entre esta e aquela pedra. Não é grave que o afastamento das águas leve embora o alimento de hoje. Eles sabem que a vazante é o começo da enchente, e que o marulhar dos rios, lagoas e igarapés retornará breve e grávido de cardumes crescidos. Grave seria se a água se atrasasse ou fosse embora e não voltasse nunca mais. Esse sim, seria um abandono tão imperdoável quanto inesperado. Mas não é assim com a água. Água é matriz porque é mãe. E mãe nunca se afasta ao ponto de jamais regressar. Deserções assim são próprias dos mortais, sendo que até entre mortais existem dignas e honrosas excepções. Já se disse, é sabido. A Natureza é sábia e os sábios não fazem suas escolhas por acaso. Muito menos no que juntam, casam, misturam ou aproximam. A proximidade é uma grandeza de relação, que vai de uma coisa a outra e, nesse sentido, une a outra à uma e a uma à outra. De sábia que é, a Natureza sabe que grandezas díspares não se podem unir e, por conseguinte, sabe também que nem tudo se deve permitir à união. Rompe, afasta, aparta, dissolve... que a Natureza também sabe ser implacável na defesa do lugar certo de cada um e de cada coisa. E se dúvidas houver, manda rugir onças ao luar, faz subir febres na mata, apaga do bolso o cigarro, esvazia do rio os peixes e deixa barrigas vazias a jejuar. Sabe que assim reconhecerá os que pertencem às águas e à floresta. Sabe que esses sobreviverão sorridentes às "privações" e que os há-de reconhecer andando a pé, catando galhos secos, tomando cachaça ao redor da fogueira, cantando canções verdes ao violão, de frente para a jaqueira que vai engordando no fundo do quintal. Sem pressa. Sem ter mesmo pressa nenhuma. Serenos. A jaqueira e eles. Eles como a jaqueira: «vida possível rente ao chão». Como é natural. Por ser da Natureza. Acho que já contei, aqui, a história da crise de abastecimento na cidade de Rio Branco no início dos 80. Se contei, repito, porque há de servir a alguém. A História é uma parábola feita de parábolas e há sempre alguém disposto a descobrir algum sentido. Pois se tem até quem procure petróleo! Aliás, é sobre isso o causo. António Alves - "Entrechuvas" posted by Margarida C. on 8:07 da manhã
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