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Faltam apenas para a Grande Dança das Tribos começar!


«Senhora das Mãos de Seda»

sexta-feira, janeiro 19, 2007
As crónicas que Ana Paula Tavares, historiadora de formação, veio escrevendo no jornal O Público estão reunidas no livro A Cabeça de Salomé. Apontada como uma das vozes do feminismo nas literaturas africanas de língua portuguesa, reclama um olhar diferente para as tarefas quotidianas, sobretudo das mulheres, ensaiando novas possibilidades de decifração dos mistérios do mundo. A sua escrita recorre frequentemente às tradições angolanas, combinando a crença
na imaginação como uma forma de conhecimento. Cada crónica é uma aposta em novas formulações para a explicação do mundo, que é um prazer ler:

«A senhora das mãos de seda amarrou o sopro das vozes dentro do cesto de advinhação e inventou o mundo a partir das relações entre os diferentes sons. Aprendeu a olhar uma por uma e a cobrir de panos as palavras nuas das histórias». (p. 115)

«Quando respiro, reponho vozes de mulheres de corpos maltratados e mãos prontas para começar o país e plantar, de novo, as árvores do pão, entretanto desfeitas». (p. 43)

"Os deuses e os homens retiraram-se zangados e as sete máscaras não têm agora sossego dançando sem parar, os dias e as noites. De vez em quando, o imbondeiro chora. Está todo ouriçado de pregos, tranças, pequenos espelhos e feitiços fortes e mais fracos. Mesmo assim, arde de folhas todos os anos e acende as flores nos ramos em sede. Dizem que um amor de veludo o devora por dentro e o ajuda a consumir-se em frutos, quando chega o tempo. Dizem que o tempo escreveu na pele enrugada do
imbondeiro, a chave de todos os provérbios. Dizem os velhos que só quem sabe amar a pode ler.» (p. 48)


por Ana Paula Tavares






****************** [texto na íntegra] ****************


Autora de 4 belos livros de poemas (Ritos de passagem, de 1985, O lago da lua, de 1999, Dizes-me coisas amargas como os frutos, de 2001, e Ex-votos, de 2003) e uma narrativa (Os olhos do homem que chorava no rio, de 2005, num instigante trabalho de parceria com Jorge Marmelo), Ana Paula Tavares assina ainda duas excelentes coletâneas de crônicas: O sangue da buganvília, de 1998 e A cabeça de Salomé, de 2004. A primeira delas reúne textos inicialmente destinados à emissão radiofônica e a segunda traz aqueles que foram publicados no jornal O Público, de Lisboa. Essa direta vinculação com o espaço mediático pode nos levar a intuir que o trabalho esteja contaminado pela idéia de volatilidade que não raro remarca o caráter do material voltado para os domínios da comunicação. As primeiras páginas de qualquer um dos volumes logo desmentem essa hipótese, preparando o leitor para pisar outros terrenos.

Historiadora de formação, essa escritora traz para o seu exercício literário o gosto ela pesquisa, estabelecendo o rigor como um critério a ser considerado quando se trata de abordar os temas, que, caracterizados pela diversidade, estão presentes nos dois livros. Tudo é motivo de interesse para um olhar que sabe que é vário o espetáculo do mundo e que, para compreendê-lo melhor, é preciso não excluir aspectos e/ou assuntos. Assim, os temas variam, mas o ponto de vista parece guiado pela necessidade de vislumbrar novas possibilidades de decifração dos mistérios do mundo, confirmando um dos mais valiosos compromissos da atividade literária. A idéia do consumo imediato não esbate a energia de um projeto que entre os seus objetivos tem a firme necessidade de quebrar pensamentos cristalizados.

Tal como em O sangue da buganvília, para instituir a inquietação como um pressuposto das novas leituras que os tempos pedem, em A cabeça de Salomé, as estratégais são muitas. E o próprio título da coletânea de 2004 é já um indício:

"Ao longe, ouvem-se os sons dos tambores duplos. O ruído da faca no altar dos sacrifícios. Alguém deseja a terra. Diz a tradição que chegou a hora de cumprir a promessa: entregar a deus, no cesto de advinhação, a cabeça de Salomé". (p. 16)

Transgredindo o mito bíblico, é a cabeça de Salomé que é aqui referida, ofertada no cesto de adivinhação, ou seja, integrando-se entre os signos das matrizes culturais que estruturam a histórias e as identidades angolanas. A atomosfera de questionamento, sugerido a partir dessa inversão, é frequentemente reforçada com a remissão aos mitos da sua terra:

"Os deuses e os homens retiraram-se zangados e as sete máscaras não têm agora sossego dançando sem parar, os dias e as noites. De vez em quando, o imbondeiro chora. Está todo ouriçado de pregos, tranças, pequenos espelhos e feitiços fortes e mais fracos. Mesmo assim, arde de folhas todos os anos e acende as flores nos ramos em sede. Dizem que um amor de veludo o devora por dentro e o ajuda a consumir-se em frutos, quando chega o tempo. Dizem que o tempo escreveu na pele enrugada do imbondeiro, a chave de todos os provérbios. Dizem os velhos que só quem sabe amar a pode ler.” (p. 48)

A prática de recorrer às tradições angolanas combina-se ainda à crença na imaginação como uma forma de conhecimento. Vemos, por exemplo, em diversas crônicas, a aposta em novas formulações para explicação do mundo:

"A senhora das mãos de seda amarrou o sopro das vozes dentro do cesto de advinhação e inventou o mundo a partir das relações entre os diferentes sons. Aprendeu a olhar uma por uma e a cobrir de panos as palavras nuas das histórias". (p. 115)

A carência é uma espécie de estado determinante dos seres e das coisas que são apanhadas pela escrita de Paula Tavares e a graça parece estar na capacidade de, com palavras, retirá-los do estado de privação em que muitas vezes se encontram. O verbo de Ana Paula incursiona pelo mundo da ciência e da sensibilidade e vai, com sábia percuciência, extraindo da opacidade aquelas criaturas que parecem cobertas
pelos véus do esquecimento. Sob esse aspecto, ganham importância os que normalmente são engolidos pelas sombras da exclusão, como as mulheres, por
exemplo. A elas são dedicadas muitas das crônicas, muitas das quais recuperando da invisibilidade a extrordinária capacidade de transformar o mundo que a autora lhes reconhece. É com uma delas que se abre o volume: Dona Beba, a figura excepcional de Chão-Bom, viúva de Nho Papacho, que suavizavam a dura experiência do Tarrafal que o colonialismo impõs a tantos homens, incluindo o escritor que recomendara à escritora que a procurasse:

"Abriu-nos a porta da sua casa secreta, desvendando a verdadeira história do Tarrafal. O cheiro dos bolos e especiarias, preparados para os domingos dos presos, sobrava ainda das paredes. No meio das fotografias, muito belas, circulava livremente a memória do acolhimento, da bondade, do sorriso doce e compreensivo de nho Papacho, quando dentro daquelas paredes os presos se submetiam ao breve sabor da liberdade. [...] Perante a exclamação incontrolada de um de nós: “A senhora é um anjo!”, Dona Beba Beba passeou as mãos pela eternidade e disse: - Não se entusiasme, menino, o anjo era ele, eu vivi p´ra tomar conta". (p. 10-11)

É dessa linhagem de mulheres que as crônicas se ocupam com muita frequência. Ao lado de Dona Beba, desfilam Marie Louise Bastin, a tia Emília, Branca Clara das Neves, Maria Madalena, entre outras, todas pertencentes ao clã das mais-velhas, saudadas pela sua incomparável capacidade de cuidar:

"[...] Crescem sob o signo das sobreviventes, com a testa marcada pela estrela em brasa das vacas eleitas para serem mães, mulheres, irmãs. [...]Têm mãos multiplicadas que se aplicam ao fogo, endurecem a pátina, tornam branca a roupa, acalmam a febre com cheiro de gelo e vinagre. Ninguém dá por elas enquanto deslizam como sombra, fortes, pelas dobras das casas, perpassando o tempo em ternura e eficácia. Vigiam o sono das crianças enquanto a noite cresce. São os únicos animais nocturnos e diurnos que conheço. Não descansam". (p. 79-80)

Apontada como uma das vozes do feminismo nas literaturas africanas de língua portuguesa, Ana Paula Tavares marca a sua distinção, reclamando um olhar diferente para as tarefas que as mulheres da sua e de muitas outras terras executam em seu cotidiano de dificuldades e sofrimento. É ali que ela vai buscar a magia dos gestos que fazem possível a vida quando tanta coisa a inviabiliza. São as madrinhas empenhadas nas várias formas de iniciação, ensinando a diluição das fronteiras entre os vários reinos, é a tia Maria do Rosário a fazer crescer bichos da seda em caixas de papelão, são as oleiras do sul, como a Maria Madalena que "[...] insiste e trabalha no
silêncio das palavras riscadas de balas. Rebentou-lhe um país nas mãos, antes que pudesse partir para as pastagens do céu. Com gestos muito lentos, junta os cacos e corre para a água". (p. 22)

Se, em tempo de guerra, a elas coube a gestão da dor e da resistência; nesses tempos de paz em que o país respira aliviado, também a elas a autora consagra a confiança na viabilidade da vida em meio aos escombros que os anos da peste espalharam por todo lado:

"Quando respiro, reponho vozes de mulheres de corpos maltratados e mãos prontas para começar o país e plantar, de novo, as árvores do pão, entretanto desfeitas". (p. 43)

Esses fragmentos aqui destacados apenas dão o tom dessa escrita que aproveita da crônica aquilo que melhor pode render o gênero. A leitura de cada uma levará a ver que a leveza que encontramos nos bons cronistas como Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, para citar apenas dois dos nossos
melhores, manifesta-se nos textos de Ana Paula Tavares. A ela, a autora angolana associa a densidade ancorada no desejo de manter, pela via da palavra, a forte ligação que existe entre ela e o patrimônio cultural que a sua identidade propicia. É de dentro desse campo, onde consolidaram-se as suas mais poderosas experiências, que ela olha o mundo e procura trilhas que nos permitam partilhar esse universo de saberes e sabores que a sua linguagem guarda e espalha.

A guerra, os conflitos, as iniquidades de um tempo ameaçador, as barbaridades cometidas pelo poder irresponsável, os pequenos dramas de cada um, a excepcionalidade de certos seres, tudo isso é muito bem trabalhado por uma escrita viva e delicada, que, sem dúvida, tem nos provérbios - essa riqueza da tradição oral - uma de suas importantes referências. Em “A divisão do mundo”, são eles o foco da atenção:

"Tal como outros valores culturais, o sistema dos provérbios assenta num património de conhecimentos facilmente reconhecível pela comunidade que o aprende integrado num sistema de ensino baseado no aproveitamento da singularidade do indivíduo, enquanto parte de um todo comunitário, onde a solidariedade é cultivada como dado adquirido a não perder. [...] Este domínio da linguagem, muito para lá da mera utilização da palavra, pertence a todos, constituindo uma arma de recurso à disposição, cujo papel no apaziguamento de tensões internas dos indivíduos e das sociedades já foi reconhecido". (p. 27-28)

É por esses caminhos que Ana Paula Tavares constrói uma nova mitologia, criando nessa espécie de contradiscurso um lugar privilegiado para que o leitor possa pensar em alguns dos problemas que sendo extremados, no percurso do seu país, são próprios da condição humana.

por Rita Chaves (*)




________________
(*) Rita Chaves é professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo. É pesquisadora associada do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, na Universidade Cândido Mendes (RJ). Entre outros títulos, publicou A Formação do Romance Angolano (2000); Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários ( 2005) e Marcas da diferença – Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (2006).

posted by Margarida C. on 7:52 da manhã

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